Sábado, 03 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 16 de abril de 2025
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou no Diário Oficial da União (DOU), nessa quarta-feira (16), uma resolução em que revisa os critérios para o atendimento de pessoas trans. A principal mudança no texto é a proibição do bloqueio hormonal para crianças e adolescentes trans com incongruência ou disforia de gênero. Além disso, a entidade vetou o início do tratamento com hormônios antes dos 18 anos e restringiu o acesso a alguns procedimentos cirúrgicos entre menores de 21. A resolução foi aprovada por unanimidade em plenária do CFM pelos 28 conselheiros no dia 8 de abril.
Pessoas trans são indivíduos cujo gênero não corresponde àquele atribuído ao nascimento. O caso de incongruência é definido como a “discordância acentuada e persistente”, sem necessariamente levar a um sofrimento, e o de disforia de gênero como aqueles em que a incongruência passa a causar um “grave desconforto ou sofrimento”.
O bloqueio hormonal é uma estratégia reversível utilizada para interromper a produção de hormônios sexuais em crianças e adolescentes trans. Com isso, impede o desenvolvimento de características físicas do sexo de nascimento até que esses jovens tenham idade suficiente para dar início à transição de gênero. Exemplos disso seriam evitar a menstruação e o desenvolvimento das mamas ou surgimento de pelos, do pomo de adão e alterações na voz.
A resolução anterior que regia as regras, de 2019, autorizava a realização do bloqueio no Brasil somente a partir do início da puberdade em caráter experimental dentro de protocolos de pesquisa de hospitais universitários e/ou de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, a prática não é mais permitida. O tratamento segue autorizado apenas para casos médicos de crianças com puberdade precoce ou outras doenças endócrinas.
Já sobre a hormonioterapia, que envolve o uso ao longo da vida de testosterona e estrogênio para induzir características biológicas do gênero com a qual a pessoa trans se identifica, as regras antigas autorizavam o início a partir dos 16 anos. Agora, apenas maiores de 18 poderão acessar o tratamento.
Em coletiva de imprensa, o relator da resolução e conselheiro federal do CFM pelo Rio de Janeiro, Raphael Câmara, argumentou que cerca de 120 estudos analisados pelo Conselho teriam mostrado um aumento nos casos de arrependimento pós-transição, por isso o endurecimento das regras. Câmara, porém, diz que não há dados sobre o contexto brasileiro e reconhece que as evidências avaliadas são incompletas:
“Não são estudos que, do ponto de vista metodológico, são o maior nível de evidência. Então hoje não temos uma resposta exata. Mas quando estamos no CFM, que é um tribunal ético e toma as decisões baseado na ética, muitas vezes temos que levar isso em conta, que a falta de evidência exige prudência.”
Sem apresentar dados, o conselheiro, ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro, defendeu haver uma tendência de “viés de confirmação”, em que crianças estariam sendo diagnosticadas com disforia de gênero apenas por gostar de peças de roupas ou brinquedos geralmente associados ao gênero oposto, por exemplo.
“Uma hipótese é que esteja havendo um sobrediagnóstico. Mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticadas com disforia de gênero e, com isso, sendo levadas a tratamentos. Muitas dessas crianças poderiam, no futuro, não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas”, sugeriu o médico sem apresentar evidências.
Em relação ao bloqueio hormonal nos mais jovens, Câmara citou que diversos países, como Reino Unido, Suécia, Noruega e Finlândia, alteraram seus protocolos recentemente para restringir o acesso. De fato, o serviço de saúde britânico alterou as regras em 2024 após uma ampla revisão de estudos independente publicada no Archives of Disease in Childhood, chamada de Cass Review.
O trabalho concluiu que, de 50 estudos analisados sobre eficácia do bloqueio, apenas um era de alta qualidade. Por isso, os autores escreveram que “não é possível tirar conclusões sobre o impacto (do bloqueio hormonal) na disforia de gênero, na saúde mental e psicossocial ou no desenvolvimento cognitivo”, embora a técnica tenha riscos como potencial de afetar a saúde óssea e a altura.
Por outro lado, um estudo que analisou o uso da estratégia na Holanda, primeiro país a introduzir um protocolo de tratamento para crianças e adolescentes com disforia de gênero, não encontrou níveis altos de arrependimento, como sugere o CFM. As informações são do jornal O Globo.