Domingo, 27 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 15 de abril de 2023
Em 2004, quando esteve na China pela primeira vez como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma despretensiosa e tranquila escala em Kiev, a capital da Ucrânia. Ali, visitou o Monastério de Lavra, um monumento cristão ortodoxo do século 16.
Quase 20 anos mais tarde, o mesmo monastério foi parcialmente destruído após a invasão russa ao país e Lula decidiu trazer a Ucrânia como um tema obrigatório na conversa que teve com o presidente chinês, Xi Jinping, na sexta-feira (14), em Pequim.
Foi o brasileiro quem criou expectativas de que, do encontro com Xi, pudesse sair algum tipo de decisão central para os rumos da guerra, iniciada em fevereiro de 2022.
“Estou confiante que quando voltar da China e você me fizer essa pergunta (sobre a guerra), eu vou dizer que está criado o grupo que vai discutir a paz”, declarou Lula durante café da manhã com jornalistas uma semana antes de embarcar pra Xangai, onde chegou na última quarta (12).
Esta foi apenas a última das declarações do presidente brasileiro a respeito do chamado “clube da paz”, que ele tem tentado articular com outros líderes globais desde que assumiu o Palácio do Planalto. Já o Itamaraty nega que o Brasil tenha intenção de ser um mediador do conflito.
A posição de Lula, porém, tem sido vista como ambivalente internacionalmente. Embora formalmente o Brasil condene a invasão russa a territórios ucranianos em organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e em uma declaração conjunta com os Estados Unidos – o único integrante do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a fazê-lo –, Lula já disse que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, era tão responsável pela crise quanto o líder russo, Vladimir Putin.
Recentemente, Lula sugeriu que a Ucrânia teria que abrir mão do território da Crimeia em prol do fim do conflito, o que foi rechaçado pelos ucranianos e desagradou potências ocidentais.
Do ponto de vista da diplomacia brasileira, seria justamente o não alinhamento a qualquer dos lados que tornaria o Brasil um ator credenciado a participar da costura de uma saída para o impasse.
“Eu tenho proposto a eles (líderes mundiais) que é preciso criar uma espécie de G-20 para discutir a paz (…). Então o Brasil está se colocando para discutir paz, a gente quer juntar a China, vou falar com o Xi Jinping isso, se for necessário discuto com o Putin isso, porque é necessário a gente entender que primeiro a gente precisa parar a guerra”, disse Lula há um mês em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo.
A China, aliás, parecia um elemento central na ideia de Lula. Em janeiro, após a visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, a Brasília, Lula afirmou que “nossos amigos chineses têm um papel muito importante”.
“Está na hora da China colocar a mão na massa”, declarou.
Dúvidas
Mas diplomatas e analistas brasileiros e estrangeiros lançam dúvidas sobre as condições do Brasil de ser protagonista nesta história. Mais do que isso, o discurso de Lula não tem ganhado muita tração com os líderes globais.
Lula já apresentou sua ideia ao presidente americano, Joe Biden, e ao chanceler alemão Scholz, que a receberam com ceticismo e reserva. E, agora, o brasileiro viu frustrada sua ideia de voltar da China com “um grupo pela paz” chancelado por Xi Jinping.
Dos 49 tópicos do comunicado conjunto que resultou do encontro de mais de uma hora entre Lula e Xi, apenas um menciona o que caracteriza como “crise na Ucrânia”.
O termo “guerra”, rechaçado pela Rússia, foi evitado no texto diplomático de Brasil e China, que não traz nenhum compromisso concreto no tema além de “manter os contatos sobre o assunto”.
“As partes (Brasil e China) afirmam que diálogo e negociação são a única saída viável para a crise na Ucrânia e que todos os esforços conducentes à solução pacífica da crise devem ser encorajados e apoiados”, diz o texto, que afirma que o Brasil “recebeu positivamente” os 12 pontos para a paz propostos pela China no Conselho de Segurança da ONU no início do ano – mas não os endossou. Já a China “recebeu positivamente” as gestões de Lula em prol de um clube para a paz – e ficou nisso.
“As partes apelaram a que mais países desempenhem papel construtivo para a promoção da solução política da crise na Ucrânia”, afirma ainda o comunicado.
Não foi surpresa para o Itamaraty o desfecho lacônico para o assunto, apesar das declarações de Lula em sentido contrário.
Diplomatas com conhecimento das negociações recusavam há semanas o termo “mediação” para tratar das pretensões do País no tema e diziam que o Brasil queria apenas deixar “um canal aberto” para tratar do conflito com os chineses e servir como “um facilitador” para possíveis futuras conversas sobre o assunto – sem trazer à mesa nenhuma proposta ou processo estruturado para chegar à paz.