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Colunistas O paradigma do medo

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Instilar o medo como meio para se obter maior produtividade pode repercutir negativamente no clima organizacional.

Foto: Divulgação
(Foto: Divulgação)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Em 1996, a eminente psicóloga Judith Bardwick, publicou o livro “Perigo na Zona de Conforto”, no qual buscava explorar as causas da baixa produtividade da força de trabalho americana. Naquele momento, a economia dos EUA estava sendo ameaçada, especialmente pelas exportações japonesas, abrindo espaço para uma importante discussão sobre práticas gerenciais, com ênfase nos fatores motivacionais que poderiam estar por trás do problema.

Para Bardwick, os trabalhadores americanos estavam experimentando aquilo que ela qualificou como “entitlement”, o quê, numa tradução livre, seria uma mentalidade de acomodação, baixa responsabilidade e pouca motivação. Isso demandaria, na visão da autora, uma atitude afirmativa e até certo ponto dura por parte dos empresários e executivos, de modo que os empregados voltassem a ter mais “brilho nos olhos”, expressão que denota espírito aguerrido, prontidão e motivação para o trabalho. Nesse processo de mudança, as práticas sugeridas iam da defrontação objetiva com os funcionários menos produtivos, até a sua demissão à vista de todos. Na época, a obra de Bardwick foi taxada de excessivamente instrumental e insensível, sendo muito criticada por teóricos de gestão de pessoas.

Hoje, também enfrentamos mudanças bastante profundas no mundo do trabalho, aceleradas pela crise da Covid-19, emergência de novas tecnologias, e por uma força de trabalho bastante diferente em termos de perspectivas e ambiente competitivo. Dessa forma, até que ponto podemos afirmar que as práticas de assédio moral, ameaças e pressão por resultados deixaram de ser dominantes? Para o filósofo da USP, Clóvis de Barros Filho, a única força verdadeira que move as empresas é o medo. Seria pelo medo de ser demitido que os profissionais se dedicam; pelo medo de ficar defasado é que as pessoas investem em seu autodesenvolvimento e, pelo medo, enfim, é que as coisas aconteceriam nas organizações. Essa visão restrita, contudo, abre amplo espaço para contestação.

Controlar as pessoas está cada vez mais difícil, uma vez que a autonomia e o protagonismo dos empregados tendem a ganhar crescente relevância. Instilar o medo como meio para se obter maior produtividade pode provocar não somente a inação, mas repercutir negativamente no clima organizacional, e no substancial aumento das doenças ocupacionais. O esforço, então, na busca de maior efetividade no trabalho, deve contornar os extremos da passividade do “entitlement” e a inércia paralisante do medo, e investir na emancipação intelectual do trabalhador, onde o significado e os porquês daquilo que é feito é tão ou mais importante do que a tarefa em si.

O desafio permanente para os gestores, desse modo, é superar um paradigma culturalmente enraizado, ancorado numa pressuposição equivocada que enxerga o trabalhador como indolente, preguiçoso e sem ambição. Romper esse pensamento e sintonizar as práticas de gestão de pessoas a um modelo mais humanizado, requer atenção e sensibilidade. É preciso, antes de tudo, reconhecer que estamos inseridos em um contexto mais complexo, no qual estão presentes novos elementos a compor o riquíssimo mosaico social do ambiente laboral.

A fuga do modelo opressor, desse modo, demanda um gestor muito próximo de seus liderados, esclarecendo, apoiando e estimulando novos patamares de desempenho. Compreender que maior autonomia implica igual responsabilidade, e que um protagonismo mais amplo do empregado passa a ser não apenas desejável, mas imprescindível, é tarefa indelegável da moderna liderança. Sem isso, corremos o risco de voltarmos a fórmulas reducionistas, nas quais o recurso ao medo será sempre uma tentação tão simples quanto cruel, desprezando as excepcionais oportunidades que uma gestão mais humanizada pode proporcionar.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/o-paradigma-do-medo/ O paradigma do medo 2020-09-10
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