Terça-feira, 19 de agosto de 2025
Por Redação O Sul | 18 de agosto de 2025
As ações do presidente Donald Trump contra o Brasil vão deixar “sequelas permanentes” na relação bilateral, opina Jana Nelson, a brasileira-americana a chegar mais longe na hierarquia do governo dos EUA. Para ela, houve uma quebra de confiança de impactos duradouros por causa das sanções e tarifas impostas por Trump e as ameaças contra o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal. “Daqui a 20 anos, vão fazer referência ao que está acontecendo hoje, vão dizer: é por isso que não se pode acreditar no que diz o governo americano.”
Jana foi responsável pelas relações com o Brasil no Departamento de Estado durante cinco anos e chegou a subsecretária de Defesa, cargo que deixou em janeiro, com a posse de Trump. Filha de americanos, nascida e criada em Manaus, mudou-se para os EUA após se graduar em relações internacionais na Universidade de Brasília.
Depois de um mestrado na Universidade Georgetown, passou no exame de admissão do governo americano e entrou no Departamento de Estado. Para ela, as sanções e tarifas impostas por Trump alimentam o antiamericanismo no Brasil, que já era latente. E levam ao mesmo tipo de desconfiança que foi gerada pelo apoio ao golpe de 1964.
* Por ser uma brasileira-americana que trabalhou tantos anos no governo dos EUA, como a sra. se sente diante dessa crise bilateral?
Primeiro, queria dizer que o que está acontecendo agora é inaceitável. O uso de uma lei tarifária de emergência para fins coercitivos, uso de sanções para fins de vingança, não é algo normal. Dito isso, as consequências são reais e vão ser de longo prazo. Dediquei os últimos 20 anos da minha carreira a essa relação bilateral, a traduzir um país para o outro. São países muito mais similares do que eles creem. São grandes, com economias domésticas imensas, com ambições internacionais, que olham muito para o próprio umbigo.
Historicamente, sempre houve muita desconfiança entre os dois lados. Eu acreditava que podíamos melhorar isso. É um tema muito maior que eu, mas, para mim, é emocionalmente difícil também, porque o que está acontecendo deixará sequelas permanentes. Daqui a 20 anos, vão fazer referência ao que está acontecendo hoje, vão dizer: é por isso que não se pode acreditar no que diz o governo americano.
* Que tipo de impactos podemos esperar?
Vários pressupostos que a gente tinha de como os Estados Unidos se portam, várias suposições que nós, americanos, tínhamos sobre nosso país e nosso governo estão sendo rompidos. O fim da Usaid (agência de ajuda externa dos EUA) é um grande exemplo disso. Sempre acreditamos em livre comércio, em globalização, e usar sanções e tarifas do jeito atual muda tudo isso. A gente sempre buscava relações de ganho mútuo, não apenas transicionais, competitivas.
Mesmo que mude o governo e tenhamos um presidente mais amigável internacionalmente, as coisas não voltarão a ser como eram. Os outros países não vão acreditar em nós, não vão querer trabalhar conosco. Já há diversificação econômica e de política externa no Brasil e em vários países, porque existe uma suspeita agora incrustada no sistema de que os EUA não são confiáveis.
* No caso do Brasil, a sra. considera que isso alimenta um antiamericanismo?
Com certeza, alimenta um antiamericanismo que sempre foi meio latente. E vai alimentar por muitos anos, vai ser um momento histórico, como foi a ditadura militar (com o apoio americano ao golpe de 1964). Vai virar o mesmo tipo de exemplo a ser usado no futuro. É uma pena. (Com informações da Folha de S.Paulo)