Domingo, 06 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 23 de dezembro de 2021
A decisão unilateral do governo Bolsonaro de pedir o fechamento do escritório de representação do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Brasil expôs um processo de acúmulo de desentendimentos na relação do País com o organismo multilateral comandado pela economista búlgara Kristalina Georgieva.
A gota d’água para o fechamento do escritório em Brasília foi a decisão do FMI de escolher um novo economista que será responsável, em Washington, a partir de janeiro, pela missão do Fundo junto ao Brasil, sem levar em conta ponderações em contrário após consulta ao governo.
A escolha do chefe da missão é prerrogativa do FMI, mas a consulta ao País tem sido praxe na relação bilateral. A postura da direção do Fundo foi considerada pelo Brasil como mais um sinal de descaso e de tratamento diferenciado em relação a outros países – inclusive, com a Argentina de Alberto Fernández, que já disse que não iria se “ajoelhar diante do FMI” e ameaçou não pagar a dívida, embora até hoje tenha cumprido com as obrigações.
O economista indicado será chefiado pelo ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, que também tem sido um crítico contumaz da política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A queda de braço com o FMI começou em 2020, com a previsão do Fundo de recuo de 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro ano da pandemia, valor muito abaixo das estimativas com as quais o governo e o mercado trabalhavam. A estimativa inicial era ainda pior, de 9,6%, e nem chegou a ser divulgada.
As projeções mais pessimistas foram divulgadas mesmo após as medidas de estímulo fiscal e monetário de combate aos efeitos do lockdown (confinamento) provocados na atividade econômica pela covid-19. Na época, o FMI não quis rever seu número, alegando que mais à frente o mercado se alinharia a estimativas mais próximas das dele. As medidas tiveram um impacto importante no PIB, e o Fundo acabou errando muito nas projeções. A economia do Brasil registrou uma recessão de 3,9%.
Selic
Somam-se a esse primeiro grande embate mais duas pressões do FMI, no início do segundo semestre, para que o governo aumentasse os gastos do Orçamento de 2021 fora do teto de gastos (a regra presente na Constituição que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) e também continuasse com a redução dos juros básicos. Naquele momento, o BC já tinha interrompido o processo de corte da Selic – depois de a taxa básica de juros ter atingido a mínima histórica de 2% em agosto do ano passado.
A recomendação para fazer um orçamento com mais gastos acima do teto ficou de fora do relatório sobre o Brasil, mas permaneceu no documento a defesa de que o BC continuasse com o corte de juros num momento em que já apareciam pressões (ainda que localizadas) de alta de preços. Segundo fontes, travou-se uma “guerra” com o FMI naquele momento, porque o governo alegava que precisava ancorar as expectativas da política fiscal.
Um impasse sobre a inclusão de tema relacionado à contribuição do Brasil para o esforço global de combate às mudanças climáticas no relatório anual de 2021 também azedou a relação. O tema é de cobertura voluntária nos relatórios bilaterais, e encorajada para ser coberta a cada três anos pelas 20 maiores economias. Nesse caso, havia um acordo prévio das autoridades brasileiras com a equipe do organismo para que o tema não fosse abordado no relatório de 2021.
Sem ser resolvido nos quadros mais técnicos, o problema acabou sendo levado para a diretora-geral do Fundo. Ajustes foram feitos no texto dos parágrafos que tratavam do tema. Em ofício à diretora, enviado pelo representante brasileiro Afonso Bevilaqua, o Brasil alegou que o documento fazia menção ao tema que estava fora do que havia sido discutido na missão do Brasil.