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Colunistas Para você ganhar um milhão, uma pessoa deve morrer. Você aceita?

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Vivemos tempos de anti-intelectualismo. A ciência é considerada obstáculo. Em um livro distópico, Alasdair MacIntyre fala do triunfo do Know Nothing, o saber nenhum.

É evidente que o Know Nothing se retroalimenta nas redes sociais. Os grupos de WhatsApp são o ninho preferido para o desenvolvimento de todo e qualquer tipo de “teorias “e ataques a teorias.

Pesquisa recente publicada pela Folha de São Paulo dá conta de que 7% dos brasileiros acredita que a terra é plano e 25% acredita que Adão e Eva existiram.

Poxa, tanta gente estudou, pesquisou, ganhou prêmio Nobel… para que qualquer pessoa, em uma rede social, diga: ah, isso não é bem assim. Não existe isso de aquecimento global. E assim por diante.

Escrevo isso para falar como os veículos de comunicação, para além das redes, pode contribuir para o know nothing ou anti-intelectualismos ou quejandos. Liga-se o rádio e mais se ouve recado de ouvintes via WhatsApp do que notícias ou comentários sérios. Interatividade, a doença infantil dos tempos pós-modernos. Ora, ao ligar o rádio, não quero saber o que diz o ouvinte. Agora sofisticaram: põem o áudio do ouvinte.

Sigo. Voltando do programa Pampa Debates, segunda à noite, zapeei pelas emissoras que não transmitem a Voz do Brasil. Parei numa rádio que tem um programa em que os ouvintes cantam um pedaço de música… Enfim. Mas falam de tudo. O tema, na segunda, era “dilemas éticos”. Sim, depois do que a filosofia moral estudou tantos anos, e gente que escreve tantos livros, dois ou três radialistas e ouvintes se metem a discutir isso.

Um dos componentes do programa propôs o seguinte “dilema” (sic): o radialista ganharia um milhão e, por isso, uma pessoa morreria em troca, em qualquer parte do mundo. E não é que o interlocutor respondeu: tranquilo, nem precisaria ser um milhão. Então o outro “sofisticou”: você ganhará dez milhões e uma pessoa conhecida sua morrerá. E o outro respondeu: pode ser o porteiro do meu prédio? Pode ser o professor chato? Qualquer um? E assim por diante. Desliguei.

O interessante é que essa temática foi nominada no programa da tal rádio como um dilema ético, quando não o é.

Além do mais, a discussão de dilemas morais (pode chamar de éticos, dependendo do conceito que se tem de moral e ética) exige uma complexa explicação. Caso contrário, a discussão sobre “dilemas” vira uma grave violação da ética. Veículos de comunicação devem ter cuidados.

Sem conhecimento de filosofia moral, discutir dilemas só tem sentido se, antes da conversa, avisar que isso que vai ser discutido é uma anedota etc.

Porém, se for feita a sério, corre-se o risco de banalizar a vida. Por exemplo, se você acha que uma vida por ser trocada por dez vidas, como no dilema do trem desgovernado, de Joshua Greene, pense de outro modo: alguém é saudável. Entra no hospital. Lá tem cinco vidas que podem ser salvas se matarem essa pessoa e retirar os órgãos.

Pronto: uma vida por cinco vidas. Eis a complexidade de um tema que exige filosofia. Que tanta gente estuda. E que não dá para “brincar” assim. Pode ser engraçado…mas se você diz a sério…então…!

Quando alguém diz que não se importa se uma pessoa morrer como troco de ganhar um milhão, esquece uma coisa elementar sobre dilema moral (ou ético): é que o dilema tem uma peculiaridade, que é exatamente “ser um dilema”, isto é, nenhuma decisão é satisfatória. No caso, há uma decisão satisfatória: não ganhar o dinheiro.

Portanto, não há dilema. É outra coisa. Ah, por que tanta gente estuda filosofia moral? Já sei. Para que alguns façam blague e, além de não entenderam nada do assunto… bom, deixa pra lá. MacIntyre tem razão no livro After Virtue.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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