Quarta-feira, 10 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 1 de setembro de 2025
Nacionalmente conhecido pelas crônicas de humor nas quais despontaram personagens como a Velhinha de Taubaté, o Analista de Bagé e o detetive Ed Mort, pelas tiras das Cobras e da Família Brasil e pelos roteiros para TV, cinema e teatro, Luis Fernando Verissimo era uma usina de inteligência e criatividade em carne e osso.
A produção é tão vasta que se torna difícil até mesmo defini-lo com base nas categorias existentes da produção literária e artística. Escritor? Cronista? Humorista? Roteirista? Intelectual?
Qualquer um desses rótulos corre o risco de deixar fora uma variedade de aspectos da trajetória do autor que sempre fez questão de não se levar demasiadamente a sério — nem aos outros — e que morreu no sábado (30), aos 88 anos, em Porto Alegre.
Mais do que os predicados como profissional, muitos dos que conheceram Verissimo de perto admiram sua grandeza humana.
É o caso do publicitário e escritor Fraga, amigo de Verissimo por 53 anos e a quem coube, entre outros privilégios, emprestar as feições para o Analista de Bagé: “Gosto mais do Luis Fernando como pessoa do que como escritor”, resume.
Fato é que Verissimo foi dono de diferentes facetas, algumas pouco conhecidas por seu público mais cativo.
Ele teve um lado desenhista, outro músico. Era fanático por futebol, apesar de ter passado parte da infância nos Estados Unidos e de ter sido visto muitas vezes como excessivamente influenciado pela cultura norte-americana e europeia. Cultivou uma relação afetuosa, porém difícil, com o pai e era bastante generoso com jovens artistas.
Conheça essas e outras histórias a seguir.
Nascido em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, ele só passou a ser conhecido pelo sobrenome depois da morte do pai, Erico (1905-1975).
Antes disso, era “o filho do Erico” ou “Luis Fernando” — qualquer outro tratamento implicaria risco de ser confundido com o maior nome da literatura gaúcha.
Apesar de ter nascido e crescido em uma casa cheia de livros e acostumado à companhia de escritores e artistas — ou talvez por isso mesmo —, Verissimo jamais se viu como predestinado à atividade literária.
A primeira e mais marcante influência do pai, aquela na qual ele parece ter visto um espaço para si próprio, foi a atividade jornalística e editorial.
A exemplo do pai e de praticamente todos os grandes nomes da literatura gaúcha, Luis Fernando produziu grande parte de sua obra na e para a imprensa, inclusive diária.
Embora tenha crescido entre redações de jornais e a sede da Livraria do Globo, uma das principais editoras do país, acompanhando o pai, Verissimo estreou relativamente tarde no ofício, aos 31 anos.
Quando assumiu pela primeira vez como interino uma coluna de notas no jornal Zero Hora, em 1969, já era casado com Lucia e pai de duas filhas (Fernanda, nascida em 1965, e Mariana, em 1967).
Verissimo deixaria de escrever apenas em 2021, em razão de sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC).
A relação com o pai
A relação de Verissimo com o pai foi marcada pelo afeto, por um lado, e pela incomunicabilidade, por outro.
Em seu livro de memórias, Solo de clarineta, cujo segundo tomo foi organizado por Flávio Loureiro Chaves e publicado postumamente, Erico registra o desejo frustrado de uma relação mais próxima e transparente com o filho.
Ao mesmo tempo, o escritor reconhecia no temperamento fechado de Luis Fernando traços de sua própria timidez.
Às vezes, chegava a recorrer a terceiros em busca de pistas para se aproximar do filho.
“Por favor, me fala do Luis”, disse certa vez ao jornalista Ruy Carlos Ostermann (1935-2025), amigo de ambos e responsável pela passagem de Verissimo filho pela Folha da Manhã.
Não se tratava de uma dificuldade típica de Erico.
Indagado sobre se alguma vez notou Verissimo mais expansivo em 53 anos de amizade, Fraga sorri e responde de pronto: “Nunca”.
Relata, porém, um episódio que sintetiza a personalidade do amigo.
“Uma vez, vi um álbum de um cartunista alemão maravilhoso que só tinha para vender nos Estados Unidos. Pedi: ‘Luis Fernando, vocês estão indo de férias para os EUA, me traz este álbum que eu te reembolso'”, conta o publicitário.
Ao retornar, Verissimo entregou-lhe o volume e não aceitou ressarcimento. Fraga pediu-lhe, então, uma dedicatória e, quando o amigo estava com a caneta em punho, acrescentou: “Por favor, né? Escreve uma dedicatória bonitinha. Não vai escrever nada lacônico”.
A mensagem que acabou rabiscada no livro dizia: “Para o Fraga, com a amizade lacônica porém sincera do Luis Fernando”.
O incentivador de talentos
O retraimento não impedia Verissimo de atender religiosamente pedidos de entrevista e produção de prefácios, orelhas e declarações que lhe chegavam todos os dias às dúzias, normalmente mediados pela mulher, Lucia.
O jornalista e escritor Roberto Jardim foi um entre as centenas de agraciados pela generosidade do ídolo, que entrevistou pela primeira vez ainda como estudante de Jornalismo.
“Ele pediu que eu mandasse as perguntas por fax. Nem e-mail existia ainda. Mandei. Uma delas devia ser como ele se descrevia. Ele escreveu: ‘Um rapaz alto, moreno, cabelos castanhos ondulados, enigmático e sensual'”, diz Jardim.
À mão, Verissimo adicionou um comentário na folha de fax: “Espalha, espalha”.
Em 2020, Jardim voltou a contatar o escritor, desta vez com um pedido de texto de apresentação para seu segundo livro, Democracia Fútbol Club.
“Uma semana depois, acho, recebi um envelope com os originais, algumas linhas elogiosas e o texto que entrou na contracapa do livro”, afirma. As informações são da BBC News.