Domingo, 31 de agosto de 2025
Por Redação O Sul | 30 de agosto de 2025
O País tomou conhecimento do descomunal alcance dos tentáculos do Primeiro Comando da Capital (PCC). A Operação Carbono Oculto revelou em minúcias como o PCC se beneficiou de um sofisticado esquema financeiro que não se limitava a operações clandestinas. A organização criminosa se infiltrou no centro nervoso do sistema financeiro nacional, a Avenida Faria Lima, valendo-se de fintechs, fundos de investimento e empresas legítimas do setor de combustíveis para ganhar, lavar, sonegar e valorizar bilhões de reais. Por si só, a complexidade dessa engrenagem ilustra bem a transfiguração do PCC nos últimos anos: de uma facção penitenciária voltada ao tráfico de drogas para uma organização mafiosa extremamente diversificada.
Segundo as investigações, o PCC dominou a cadeia de combustíveis, desde a produção de cana-de-açúcar e etanol até a revenda em postos de sua propriedade. Empresários honestos foram coagidos a vender seus negócios para os bandidos a preço de banana, sob risco de morte. Materiais químicos foram importados para adulterar combustíveis, ampliando margens de lucro e distorcendo o mercado legal. Essas práticas extrapolaram o limite de danos até então conhecido para a delinquência do PCC. Como se viu, trata-se, também, de concorrência desleal, de prejuízos diretos aos consumidores e de perdas bilionárias para o Estado, vítima da sonegação fiscal. Essa exploração de atividades lícitas com propósitos ilícitos mina as bases da liberdade econômica consagrada pela Constituição.
O mais perturbador de tudo o que veio a lume é constatar que o PCC se transformou num player, para usar um jargão do ramo, no mercado financeiro. Em entrevista ao Estadão, a superintendente da Receita Federal em São Paulo, Marcia Meng, sintetizou bem a mudança de paradigma. Segundo ela, os criminosos não precisam mais recorrer a paraísos fiscais para ocultar seus recursos ilícitos. Basta abrir conta em uma fintech e movimentar os valores que, depois, serão transferidos para fundos de investimento. Assim, o dinheiro criminoso não apenas é lavado, como valorizado. Uma dessas fintechs, o BK Bank, é apontada como o “banco do PCC”, enquanto fundos de investimentos e gestoras, como a Reag, teriam servido para a aquisição de empresas e usinas sucroalcooleiras, dando verniz legal aos ativos da máfia.
É de justiça reconhecer o mérito da cooperação institucional que deu azo à Operação Carbono Oculto. Polícia Federal (PF), Ministério Público, Polícia Militar de São Paulo e Receitas Federal e Estadual atuaram em conjunto para enfrentar uma agressão que, de fato, só há de ser repelida por meio da cooperação entre as forças a serviço da lei. A disputa entre o presidente Lula da Silva e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pela “paternidade” da operação é irrelevante à luz da gravidade do caso e só interessa a seus objetivos políticos. Para a sociedade, o que importa é que o caminho está dado: a integração, o espírito público e o profissionalismo de servidores abnegados dão resultado.
Isso posto, é forçoso dizer que o caso também revelou fragilidades que têm de ser sanadas com urgência. Dos 14 mandados de prisão expedidos, só seis foram cumpridos. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, admitiu que pode ter havido vazamento de informações. É um perigo. O PCC, mas não só, já demonstrou capacidade de infiltração em diferentes esferas, do sistema financeiro ao sistema político, passando pelo sistema judicial. É nesse contexto que a chamada PEC da Blindagem tem de ser enterrada de uma vez por todas pelo Congresso. Nada pode ser mais nocivo ao combate ao crime organizado do que sua infiltração no coração da democracia representativa.
O PCC e outras organizações criminosas já não são bandos de traficantes. São máfias que exploram negócios lícitos, corrompem agentes públicos e contaminam setores econômicos inteiros. O de combustíveis é só “a ponta do iceberg”, como salientou o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Parar inimigos dessa magnitude exigirá do Estado coragem política, força institucional e legislação adequada. A Carbono Oculto mostrou que é possível avançar, mas também deixou clara a dimensão do desafio. (Opinião/O Estado de S. Paulo)