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Por Redação O Sul | 4 de agosto de 2020
Mais de 300 anos atrás, o cientista holandês e pioneiro em microbiologia Anton van Leeuwenhoek descreveu o movimento do espermatozoide humano como uma “torção” de um lado para o outro da cauda do gameta que o impulsionava para a frente.
Essa versão, universalmente aceita pela ciência ao longo dos séculos, acaba de ser negada por pesquisas conjuntas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).
Os cientistas usaram tecnologia de ponta e análises matemáticas para reconstruir uma imagem tridimensional do verdadeiro movimento da cauda do espermatozoide.
“Em nenhum momento, sabíamos o que íamos encontrar e isso nos pegou de surpresa”, diz o brasileiro Hermes Gadêlha, professor sênior de matemática aplicada e modelagem de dados da Universidade de Bristol, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“O problema é que acreditamos cegamente no que vemos e pensamos que o que vemos é a realidade definitiva e esquecemos que isso ainda é apenas parte da realidade”, acrescenta ele.
Teoria do século 17
Mas acontece que essa realidade é limitada pela precisão dos instrumentos com os quais é observada.
Desde a descrição de Anton van Leeuwenhoek no século 17, nenhuma outra maneira foi pensada sobre como os espermatozoides poderiam se mover.
Quando visto com microscópios bidimensionais, o movimento rápido e sincronizado do gameta masculino cria a ilusão de que a cauda se mexe de um lado para o outro simetricamente “como enguias na água”, como van Leeuewnhoek descreveu há mais de três séculos.
Mas acontece que esse movimento é assimétrico, acontece apenas de um lado. Seria como remar uma canoa com um único remo, o que, como sabemos, levaria a embarcação a um movimento circular.
Explicação
Graças ao trabalho pioneiro da Unam, sob o comando dos pesquisadores Gabriel Corkidi e Alberto Darszon, foi possível reconstruir o verdadeiro movimento da cauda do espermatozoide em 3D.
Essa instituição possui uma câmera de alta velocidade que consegue capturar 55 mil quadros por segundo e um microscópio adaptado com um dispositivo que lhes permite escanear o movimento completo dos espermatozoides em 3D.
No entanto, segundo Gadêlha, não bastava ter uma imagem desses espermatozoides.
“Uma chave para o nosso projeto não era apenas obter a reconstrução 3D do espermatozoide, mas, para ver a assimetria, era necessário mover-se e nadar com o espermatozoide e, para isso, era necessário fazer uma transformação matemática”, explica.
“O que levou ao resultado final foi a combinação dos instrumentos de ponta e a análise dos dados de ponta também”, completa.
‘Natureza elegante’
O que eles descobriram é que os espermatozoides desenvolveram uma técnica de nado para compensar a vibração irregular, movendo-se em espiral, semelhante a um saca-rolhas, e solucionando de maneira inteligente um mistério matemático em escala microscópica.
“De uma maneira matemática, bonita e elegante, a natureza nos diz que existe uma assimetria intrínseca que pode ser graciosamente regulada para que o movimento avance. Uma simetria da assimetria”, diz Gadêlha.
“Há mais de uma maneira de avançar.”
O movimento do saca-rolhas corrige a assimetria do nado de espermatozoide e o impulsiona para frente.
A rotação espermática pode ser um aspecto do estudo para especialistas em fertilidade, para descobrir se ele pode estar relacionado à infertilidade.
“Por enquanto é hipotético”, ressalva Gadêlha, “mas espera-se que inspire especialistas em reprodução, biólogos, matemáticos e engenheiros a olhar e perguntar se isso é relevante para a saúde humana”.
O estudo foi publicado na revista científica Science Advances.