Quarta-feira, 23 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 28 de maio de 2024
Em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na tarde de segunda-feira (27), especialistas alertaram para riscos ambientais, sociais e patrimoniais da proposta de emenda à Constituição que transfere os terrenos de marinha — terras da União no litoral — para ocupantes particulares, estados e municípios (PEC 3/2022). O debate atendeu a um requerimento (REQ 24/2024) do senador Rogério Carvalho (PT-SE).
A coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marinez Eymael Garcia Scherer, informou que a área de segurança nos terrenos de marinha em outros países costuma ser maior que a adotada no Brasil (33 metros). Ela citou o exemplo de Portugal (50 metros), Suécia (100 a 300 metros), Uruguai (150 a 250 metros) e Argentina (150 metros). A PEC pode significar, na visão de Marinez, um risco de ônus para toda a sociedade e de perdas na qualidade de vida.
Marinez Scherer também alertou que o nível do mar vem subindo nos últimos anos. Esse aumento, ressaltou, avança exatamente sobre a área de segurança e dos terrenos de marinha. Ela disse que essas áreas, que normalmente têm manguezais, restingas e falésias, são consideradas áreas de preservação ambiental permanentes. Segundo Marinez, se houver perdas nessas estruturas naturais, haverá perdas de bem-estar humano e perdas econômicas. Ela citou o exemplo recente do Rio Grande do Sul e disse que as perdas econômicas atingem toda a população.
“Não é à toa que essas áreas são consideradas áreas de conservação permanente. São assim porque são importantes para a segurança humana e para o bem-estar humano”, registrou.
A secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União no Ministério da Gestão e da Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Gabas Stuchi, afirmou que a PEC é de interesse de toda a população brasileira. Segundo Carolina Stuchi, o domínio da União sobre a faixa da costa marítima é essencial para a soberania nacional e para o equilíbrio do meio ambiente. Ela ainda disse que, se a PEC fosse aprovada hoje, haveria “um caos administrativo”, porque a estimativa é que existam cerca de 3 milhões de imóveis não registrados ocupando essa faixa.
De acordo com Carolina, a proposta extingue a faixa de segurança e permite a transferência do domínio pleno, o que poderia agravar a questão fundiária relacionada a povos tradicionais. Ela acrescentou que outros países estão recomprando as áreas de praia que haviam sido privatizadas tempos atrás. Para a secretária, a PEC ainda pode ser aperfeiçoada. Ela ainda disse que leis mais simples já podem auxiliar a resolver os problemas relacionados aos terrenos de marinha.
“A PEC favorece a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas, tornando esses terrenos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. A proposta ainda permite a privatização e cercamento das praias, trazendo impacto no turismo e na indústria de pesca”, alertou Carolina.
Diretor do Departamento de Assuntos do Conselho de Defesa Nacional do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Bruno de Oliveira, opinou de forma contrária à PEC. Ele disse que a mudança pode chocar com princípios de soberania nacional, justiça social e pontos importantes da preservação do meio ambiente. Para Oliveira, eventuais ajustes podem ser feitos por meio de projetos de lei.
Na visão de Ana Ilda Pavão, representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, a PEC é um retrocesso. Ela disse que as leis precisam se atentar à realidade local. Segundo Ana Pavão, o Senado precisa ouvir mais aqueles que são diretamente atingidos pela mudança legislativa. Ela abriu uma bandeira do movimento e disse a PEC “não tem nada a ver” com os pescadores, que já sofrem com o assoreamento e com o desmatamento. Conforme informou Ana Pavão, já há várias áreas alagadas no Maranhão, impedindo a permanência de povos tradicionais.
“O teor dessa PEC, no fundo, é a urbanização das orlas, são os grandes empreendimentos. Quem vai lucrar? Não somos nós. Nós só vamos perder. Essa PEC precisa ser revista. Muito tem se falado aqui, mas se esqueceram de falar da vida”, registrou.
De acordo com a gerente técnica da Associação dos Terminais Portuários Privados (ATP), Ana Paula Franco, todo terminal usa parte do terreno de marinha, com a devida autorização do poder público. Por isso o interesse do setor na PEC. Ela disse que a ATP é desfavorável à proposta, por trazer insegurança jurídica — comprometendo os negócios dos terminais. Ana Paula lembrou que a construção de um porto exige um longo tempo, sua operação demanda muitos investimentos e alertou que essas mudanças legais podem judicializar a questão. As informações são da Agência Senado.