Sexta-feira, 29 de março de 2024
Por Lenio Streck | 31 de outubro de 2020
Escrevo – com boa dose de sarcasmo – sobre a impropriedade de uma Assembleia Nacional Constituinte desde há muito. Desde 2004.
Venho alertando e combatendo, à esquerda e à direita, os que querem ou já quiseram (as coisas mudam) uma nova Constituição.
O deputado Ricardo Barros, líder do governo, em evento sobre a democracia (que paradoxo, não?) apresentou dia 26 de outubro último uma ideia antidemocrática: a de uma nova constituinte e exclusiva (fui palestrante nesse evento, juntamente com o autor do livro Como morrem as Democracias, um dos preferidos do meu amigo Edson Bündschen). Por que digo “antidemocrática”? O Deputado não tem o direito de defender a tese? Aí é que está. O diabo mora nos detalhes. É que para a ideia de Barros dar certo, tem de, necessariamente, fazer uma ruptura. Uma terra arrasada. Pela teoria constitucional, o que Barros quer só pode ser feita com um golpe ou uma revolução. Ou alguém me contesta?
Na verdade, o líder do governo (será que o governo pensa assim?) traz (ou traça) uma situação paradoxal: todos os problemas de governabilidade (sic) e mesmo as supostas crises políticas e morais (sic) seriam culpa do texto da Constituição, como se o texto fosse o responsável pelo descumprimento constitucional, bastando, pois, mudar o texto para se resolver todos os problemas sociais, políticos, mesmo éticos. É como se o furto fosse motivado pela existência do Código Penal…!
E, no mais, é um argumento falacioso afirmar que a convocação de uma assembleia constituinte (será uma revolução? Um golpe? Uma ruptura?) é uma coisa democrática porque seria vontade do povo.
Ora, não há democracia sem constitucionalismo. Um povo democrático e plural não está imune aos compromissos constitucionais que assume perante si mesmo, sob pena de autodissolução. Isso a história política dos últimos duzentos anos é implacável em nos mostrar.
Fico imaginando uma assembleia constituinte. Bancada da bala, da Bíblia, a ruralista e a anti-amazônia (o que dá tudo no mesmo, ao fim e ao cabo): em uma aliança, proporão:
São dez temas importantes. Sem falar na possibilidade de um Tribunal Supremo com cotas para terrivelmente evangélicos, em revezamento entre as igrejas (locais, regionais, nacionais, internacionais, mundiais e universais). Mas isso ficará para ser regulado por Lei Complementar. Eis o quadro de uma NANCO (Nova Assembleia Nacional Constituinte).