Sábado, 21 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 8 de agosto de 2016
Respeitado por seus pares, reverenciado por seus alunos, adorado pelos pacientes. Ivo Pitanguy – que morreu, aos 93 anos, – não era apenas um médico talentoso; era grife. Por seu centro cirúrgico passaram não só as mais belas mulheres do mundo tentando vencer a corrida contra o tempo, como especialistas em busca de aperfeiçoamento, ou talvez, da receita de tanto sucesso. Referência em uma especialidade aparentemente superficial, o médico não se interessava apenas pela estética. Ao contrário. Por ter começado a vida profissional observando reconstruções de face, Pitanguy tinha enorme interesse em ajudar as pessoas a viver.
Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy nasceu em Belo Horizonte em 5 de julho de 1923. Um dos cinco filhos do cirurgião-geral Antônio de Campo Pitanguy e de Maria Stäel Jardim de Campos Pitanguy, resolveu seguir a carreira do pai e cursou Medicina.
Pitanguy se formou após mais de dez anos na universidade, por causa de estágios e cursos realizados nos EUA e na Europa, já aliando a prática médica ao exercício do ensino. Primeiro, ele prestou concurso para o Institute of International Education e foi contemplado com uma bolsa de estudos como cirurgião residente do professor John Longacre, no Bethesda Hospital em Ohio, EUA. Na mesma época, frequentou a Mayo Clinic, em Minnesota, e o serviço de cirurgia plástica do médico John Marquis Converse, em Nova York. De volta ao Brasil, em 1949, ele chefiou a 19 enfermaria do Serviço de Cirurgia da Santa Casa da Misericórdia do Rio – o primeiro de cirurgia de mão em toda a América do Sul.
Um ano mais tarde, foi convidado por Marc Iselin, referência no atendimento aos mutilados da Segunda Guerra Mundial, a acompanhar seu serviço em Paris. No período em que trabalhou na Europa, Pitanguy conheceu grandes cirurgiões plásticos e, na volta ao Brasil, trabalhou para tornar a cirurgia plástica uma especialidade conhecida e respeitada. Em 1961, com a colaboração de médicos residentes, tratou as vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano – um marco em sua carreira, ocorrido dois anos antes da inauguração de sua clínica, no Rio. “Cheguei com uma equipe em pleno momento de comoção. Havia muita gente querendo ajudar, mas também uma enorme desorganização. Lembro de um caso muito heroico de um menino que tinha se salvado e voltou para buscar o amigo”, contou ele, anos depois.
Referência.
No mundo, o brasileiro é uma referência em cirurgia plástica, detentor de diversos prêmios e títulos, autor de mais de 900 trabalhos científicos em revistas brasileiras e internacionais, além de uma série de livros – ele é membro da Academia Nacional de Medicina desde 1973, onde ocupava a cadeira 67, e foi eleito em 1990 para a Academia Brasileira de Letras, ficando com a cadeira 22.
“Como ser humano, independentemente de ser médico, eu sempre fui muito encantado com a beleza; na arte, na natureza, nos livros. Sempre fui também muito ligado à criatividade. E a medicina me dá essa interação com outros seres humanos, essa capacidade de apreciar o outro, ouvi-lo, entendê-lo, sempre ajudar. Mas a minha profissão tem uma limitação que o escritor e o pintor não têm: eu lido com o ser humano, que tem a limitação da anatomia”, definiu o cirurgião plástico em 2011, para explicar seu fascínio pela beleza.
Por seu consultório passaram musas do cinema internacional, chefes de estado, celebridades nacionais, homens e mulheres que, declarando ou não terem feito cirurgia, jamais tiveram tal fato confirmado por Pitanguy. Ele mesmo, aliás, nunca corrigiu nada no rosto.
Elegante, o médico se apresentava de terno. Nos últimos anos, chegava à clínica à tarde todos os dias e reservava a manhã para ficar em casa, ler e almoçar com tranquilidade. Dormir, só cinco horas por noite. O médico acordava cedo, lia os jornais, caminhava, exercitava-se bastante. De vez em quando essa rotina era quebrada, como no carnaval de 1999, quando foi enredo da escola de samba Caprichosos de Pilares. Ele desfilou eufórico em carro alegórico, cantou o samba que rimava Pitanguy com bisturi e garantiu à escola o nono lugar naquele ano.
O cirurgião costumava dizer que a vida lhe ensinava a cada dia, “e o triste de morrer é parar de sentir esta vontade de sempre conhecer um pouco mais”. Pitanguy morreu um dia depois de carregar a tocha olímpica. Abatido, ele conduziu o símbolo em uma cadeira de rodas. (AG)