Quarta-feira, 16 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 12 de abril de 2022
O México afirma que meio milhão de armas-de-fogo entram no país vindo dos Estados Unidos todos os anos. Uma ação judicial contra os fabricantes norte-americanos de armas poderá conter essa maré?
Pouco antes do nascer do sol em uma manhã quente de sexta-feira em junho de 2020, homens armados esperavam por Omar Garcia Harfuch, o chefe de segurança da cidade, então com 38 anos, no bairro nobre de Lomas de Chapultepec, na Cidade do México.
O que aconteceu em seguida foi capturado pelas câmeras de segurança e de celulares de transeuntes aterrorizados: o rajar de balas enquanto dezenas de pistoleiros fortemente armados, alguns vestidos como trabalhadores de obras civis, bloqueavam seu caminho com um caminhão e abriam fogo.
“Naquele momento eu sabia que tínhamos sido emboscados”, disse Harfuch posteriormente ao jornal espanhol El País. “Depois eu senti o primeiro tiro atravessar o para-brisas.”
Quando o tiroteio terminou, ele havia sido baleado três vezes. Três outras pessoas — dois guarda-costas e uma mulher inocente vendendo lanches — morreram.
A localização e o alvo da emboscada são anomalias notáveis na sangrenta guerra às drogas do México. Mas as armas recuperadas depois do tiroteio não são: rifles de precisão Barrett calibre 50, pistolas e armas militares. Todas são produzidas e vendidas por fabricantes de armas com sede nos EUA.
O ataque contra Harfuch, juntamente com centenas de outros incidentes, agora é parte de uma ação movida pelo governo mexicano contra fabricantes de armas e atacadistas com sede nos EUA, incluindo nomes famosos como Smith & Wesson, Beretta, Colt, Glock e Ruger.
A ação, movida em um tribunal federal em Massachusetts — onde várias das empresas estão sediadas — argumenta que a “invasão” de armas ilegais no México “é o resultado previsível das ações deliberadas e práticas comerciais dos réus”.
As empresas argumentam que o México não tem como comprovar que a violência descrita no processo é culpa delas. As companhias alegam que a lei dos EUA as protege da responsabilidade pelo uso indevido de seus produtos.
Esta semana, serão ouvidos argumentos de ambos os lados para que um juiz decida se o processo vai seguir adiante.
Embora especialistas duvidem de que o processo atinja seus objetivos principais — indenização de US$ 10 bilhões, o fim de práticas de marketing “inflamatórias” que supostamente apelam a criminosos e a criação de tecnologia de segurança “inteligente” — a iniciativa já serviu como um golpe publicitário para o governo mexicano.
Mais de uma dúzia de Estados americanos — incluindo Califórnia e Nova York — expressaram seu apoio ao caso do governo mexicano, assim como advogados representando Antígua e Barbuda e Belize.
O caso está gerando atenção para um problema que o México diz ter sido ignorado há muito tempo pelos fabricantes e pela maioria dos americanos. “Isso não afeta apenas o México”, disse Guillaume Michel, chefe de Assuntos Jurídicos da embaixada do México em Washington, à BBC. “Também tem consequências para os EUA.”
Nos dois lados
Para quem está na linha de frente da guerra às drogas no México, a onipresença de armas fabricadas nos EUA tem sido um problema há muito tempo. A polícia mexicana diz que criminosos e gangues nas cidades fronteiriças dos EUA têm acesso imediato a armas compradas e contrabandeadas através da fronteira.
“As medidas de segurança implementadas na fronteira são quase uma piada”, disse Ed Calderón, ex-policial de Tijuana, do outro lado da Califórnia, e especialista no submundo do crime mexicano.
“A fronteira é porosa”, diz ele. “As pessoas — podem até ser mulheres e homens velhos — caminham ou dirigem pela fronteira diariamente e podem acumular um estoque que rivalizaria com qualquer exposição de armas do Texas. É fácil conseguir uma arma ou rifle no México.”
A Guarda Nacional do México — que é a grande responsável por conter o fluxo de armas para o México — não pôde ser contatada para comentar. Autoridades mexicanas em vários níveis de governo, no entanto, vêm prometendo reprimir o fluxo de armas que atravessam a fronteira, referindo-se ao esforço como uma “prioridade nacional”.