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Colunistas Analfabetismo funcional: falha do Estado ou escolha do indivíduo?

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Três em cada dez brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais. São pessoas que até leem e escrevem, mas são incapazes de interpretar frases ou reconhecer números. Esse grupo representa quase 30% da população. O dado é do INAF e indica a urgência para melhores políticas públicas na educação. Diante desses números alarmantes, surge a pergunta: por que o brasileiro lê tão pouco e compreende ainda menos? A explicação mais comum aponta para a precariedade do sistema educacional. Mas será só isso? Ou há também uma responsabilidade que recai sobre o próprio indivíduo, que, mesmo diante de oportunidades, não se dispõe ao esforço do pensamento?

O filósofo Immanuel Kant, em seu ensaio “O que é o Esclarecimento?”, já advertia que a maioria das pessoas permanece em “menoridade” intelectual não por falta de inteligência, mas por comodismo. “A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens permanece, de bom grado, a vida inteira, menor de idade”, escreveu o gênio de Königsberg. A crítica kantiana é atual: temos acesso à informação como nunca antes na história, mas muitos preferem a orientação alheia à autonomia do pensamento.

No entanto, uma análise sociológica mais ampla exige que olhemos além do indivíduo. Pierre Bourdieu, sociólogo francês, demonstrou em suas pesquisas que o gosto pela leitura e a capacidade de reflexão não são apenas frutos da vontade pessoal, mas de um capital cultural herdado e cultivado socialmente. Ler, para muitos brasileiros, não é um hábito porque nunca foi apresentado como um valor. A casa não tem livros, a escola é desestimulante, o tempo é consumido pela luta por sobrevivência. O acesso desigual ao saber reproduz, assim, uma dominação simbólica: a cultura letrada continua sendo privilégio de poucos, revelando uma face sombria da desigualdade social como motor de nossa precariedade.

Paulo Freire, patrono da educação brasileira, já denunciava nos anos 1960 que o ensino tradicional oprime ao invés de libertar. Ele defendia uma pedagogia que partisse da realidade do aluno, que promovesse a leitura do mundo antes da leitura da palavra. A escola brasileira, no entanto, segue operando muitas vezes por meio da repetição mecânica e da avaliação superficial, em vez de promover a reflexão crítica. O resultado é uma formação técnica, não emancipadora e, como a pesquisa do INAF revela, nem mesmo capaz de prover ao indivíduo uma mínima compreensão de textos básicos.

Mas há também um aspecto político fundamental que não pode ser ignorado. Hannah Arendt, ao analisar as origens do totalitarismo, apontava o perigo da alienação das massas: quando os indivíduos perdem a capacidade de pensar criticamente, tornam-se vulneráveis à manipulação e ao autoritarismo. Um povo que não lê é um povo que não questiona. E um povo que não questiona, cede. O desprezo pela leitura e o analfabetismo funcional, portanto, não são apenas um problema educacional, mas um risco à democracia.

O caso do Brasil é emblemático. Embora tenhamos avançado no acesso à educação formal, os resultados permanecem assustadores. O brasileiro médio lê menos de dois livros por ano — e a maioria o faz por obrigação escolar, não por interesse próprio. Enquanto isso, filas se formam para shows, mas bibliotecas seguem vazias, contraste bastante revelador de quais prioridades estão engajando verdadeiramente nossos jovens.

A culpa é do povo? Seria elitista e ingênuo afirmar isso. O problema é estrutural. Mas, como Kant lembraria, a liberdade exige coragem. Se quisermos transformar o Brasil num país de leitores e diminuir a constrangedora situação do analfabetismo funcional, será preciso reconstruir a escola, democratizar o acesso à cultura, valorizar os professores — mas também cultivar em cada cidadão o desejo de pensar por si mesmo. A emancipação não virá de cima para baixo. Ela começa quando deixamos de aceitar a ignorância como destino e soubermos, enquanto sociedade, priorizar o que realmente interessa.

(edsonbundchen@hotmail.com)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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