Domingo, 13 de julho de 2025
Por Edson Bündchen | 11 de junho de 2020
O caso de George Floyd, sufocado até a morte em uma operação policial nos EUA, provocou uma enorme reação de protesto por parte da sociedade americana, com reflexos no mundo todo. No Brasil, essa repercussão amplia a discussão sobre casos de racismo ocorridos no mesmo período. A violência contra as minorias, incluindo os negros, continua a manchar o senso de dignidade humana e requer não apenas vigilância e repúdio, mas ações concretas para a eliminação de qualquer tipo de preconceito, e isso passa por transformações profundas na legislação e no comportamento das pessoas.
Somos seres humanos da mesma espécie, independentemente da cor da pele, da raça, da religião que professamos e do lugar em que nascemos. Por que, então, existe o preconceito racial? Por que, depois de tanto tempo, os negros não estão totalmente inseridos em pé de igualdade com os brancos? Nossas diferenças estão na cultura, na história, na educação, ou na falta desta. Infelizmente, há preconceito por toda parte, e com os negros brasileiros, esse preconceito deriva, em grande medida, de um longo processo de exclusão social, forjado nos mais de 350 anos de escravidão, e de um inexistente processo de inserção social, logo após a Lei Áurea, de 1888.
O Brasil foi, entre os países do novo mundo, aquele que mais resistiu em acabar com o tráfico de pessoas e o último a abolir a escravidão. Somos também o país com o maior território escravocrata do hemisfério ocidental, recebendo mais de 5 milhões de cativos africanos, 40% de um total de 12.5 milhões embarcados para a América ao longo de três séculos e meio. Com exceção da Nigéria, nosso país detém a maior população negra do planeta. Nas palavras do padre jesuíta Antônio Vieira, no século XVII, “O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África”, revelando toda a extensão de nossa negritude, e antecipando o impacto profundo na sociedade, na cultura e no sistema político-econômico que a escravidão teria nos séculos seguintes.
Definitivamente, o fim da escravidão no Brasil não significou a verdadeira liberdade para os negros. Jogados à própria sorte logo após a libertação, milhões de negros passaram a compor a maioria dos pobres no país, com menores possibilidades de ascensão social, uma vez que estavam desprovidos de bens e recursos que os posicionassem de forma competitiva junto ao mercado de trabalho. Essa condição desigual para uma inserção socialmente mais justa e equilibrada na economia produtiva, nunca chegou a ser solucionada, restando ainda um abismo colossal que condena milhões de negros a uma condição de indigência social.
Hoje, dentre os vários movimentos e programas de combate às desigualdades sociais, discutem-se formas de reparar o flagelo vivido pelos negros ao longo da mais terrível das chagas: a escravidão. Não há como voltar ao passado e evitar o sofrimento de milhões de seres humanos que foram submetidos a excruciantes dores e inimagináveis sofrimentos. Há, porém, condições de se construir um novo futuro e, a meu ver, o caminho passa por uma profunda reflexão de toda a nossa sociedade.
Para tanto, também é preciso haver políticas consistentes do governo em prol de maior igualdade de oportunidades aos negros, somadas a um esforço coletivo das diversas entidades também envolvidas nesse movimento. É preciso ampliar as possibilidades de mobilidade social e melhoria de vida, permitindo maior acesso à terra, bons empregos, moradia digna, educação e assistência de saúde. Sem isso, não haverá a verdadeira paz, nem justiça social. Mais do que econômica, a questão do preconceito racial no Brasil, é de fundo moral, e o seu resgate urgente paira como uma sombra sobre a nossa própria identidade enquanto Nação.
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