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Edson Bündchen O gene egoísta e o mundo dos esquecidos

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Com a evolução da produção de alimentos, notadamente nos últimos cinquenta anos, a previsão sinistra do economista britânico Thomas Malthus não se confirmou. O mundo não estava restrito, pelo menos não em termos tão críticos, em relação ao crescimento demográfico e disponibilidade de recursos. Contudo, mesmo com a segurança alimentar sendo garantida pela revolução na produtividade, as enormes assimetrias na distribuição de alimentos fazem com que mais de 1 bilhão de pessoas ainda passem fome no planeta. Esse quadro desolador e chocante é moralmente indesculpável. Há excesso de produção de alimentos na terra, mas uma ineficiente e injusta distribuição. Por trás dessa dura realidade, testemunhamos os mesmos pressupostos sustentarem a maior concentração de renda em toda a história da humanidade, ancorada no modelo de capitalismo sem freios, que permite aos vinte homens mais ricos do mundo, deter idêntica riqueza da metade mais pobre. O gene egoísta, que ancestralmente nos protegia, pode agora ser o sinal de nossa derrocada enquanto sociedade, ao sermos incapazes de transformar a solidariedade num pilar normativo.

A assimétrica partilha de alimentos é a face mais visível da desigualdade social, pois redunda na fome, que degrada e humilha. Persegue a humanidade desde sempre, mas adquiriu contornos morais inaceitáveis a partir da constatação de que existe como resolver o problema. Então, por que uma situação tão perturbadora não é capaz de sensibilizar e mobilizar a sociedade e as autoridades para a sua resolução? Responder a essa questão nos desafia a avançar para além do terreno político, buscando penetrar e compreender o funcionamento, nesse caso perverso, de nossa psiquê, associada ao modo dominante dos fundamentos do moderno capitalismo. Há, sem dúvida, uma curiosa simbiose entre nossa propensão congênita ao egoísmo, tratado positivamente como motor do capitalismo por escritores do porte de Adam Smith e Keynes, e sua outra face, mais capciosa, que ainda não foi capaz de se desvencilhar dos seus grilhões ancestrais egocentrados. Esse fenômeno condena hoje parte da população mundial à fome e ao esquecimento, pela trágica incapacidade de criarmos um modelo de capitalismo inclusivo, no qual não precisemos trancar em nossa consciência, uma imperdoável omissão histórica para com os desvalidos.

Esse desassossego, contudo, não deve somente ser alvo de reflexões retóricas. Há, nesse sentido, sugestões concretas em curso que, senão prometem elidir com o descalabro humanitário que vivemos, pelo menos nos agravam em maior responsabilidade e culpa. Culpa, pois a atual situação da desigualdade no mundo impõe a todos um duplo dever: prático e moral. Prático, porque possuímos recursos e inteligência; moral, porque não é mais possível varrer para baixo do tapete de nossa consciência, uma indiferença irremissível.

Nesse sentido, é importante destacar as propostas do economista francês, Thomas Piketty, que tem desafiado pensadores e governos do mundo inteiro a enfrentar o problema da desigualdade, reconhecendo ser esse um dos temas mais urgentes para a sociedade moderna, juntamente com a questão ambiental e de segurança. É necessário desalojar a lógica do assistencialismo e abrirmos um campo mais inclusivo do Direito. Os esquecidos do mundo precisam mais do que migalhas. Dentro do amplo domínio das soluções propostas, além de maior tributação das grandes fortunas, Piketty traz, no bojo da atual pandemia, um repensar fundamental por maior solidariedade, inclusive entre os países. Talvez estejamos longe do fim da desigualdade social, mas sem esse urgente enfrentamento, uso simultâneo de nossas melhores capacidades e disposição moral, continuaremos em débito para com o bem comum, e isso pode fazer toda a diferença para tornar a nossa existência mais ou menos significativa, além de não expor o próprio capitalismo ao necessário embate com um dos seus maiores demônios, deixando ao relento um oceano de desafortunados.

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https://www.osul.com.br/o-gene-egoista-e-o-mundo-dos-esquecidos/ O gene egoísta e o mundo dos esquecidos 2021-04-29
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