Sexta-feira, 02 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 3 de novembro de 2017
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Quero falar de um texto absolutamente impactante, que faz parte do livro Os Irmãos Karamazov, de F. Dostoievsky. Trata-se do Grande Inquisidor. Sim, Ivan – personagem agnóstico – relata ao seu irmão Aliócha, que era muito religioso, uma pequena história para contestar a este.
Ivan imaginou Cristo voltando à terra pela segunda vez, desta vez em Sevilha, exatamente em um dia em que a Inquisição queimara 100 hereges e a malta se comprimia na praça, comemorando a efeméride. De repente entra Jesus, caminhando entre o povo. Logo foi reconhecido. E as pessoas que o tocavam ficavam embevecidas, abençoadas. Um cego foi na direção d’Ele e pediu a cura. Escamas lhe caíram dos olhos e voltou a enxergar.
Uma mãe se aproximou d’Ele e implorou para que sua filha fosse ressuscitada. Ele pediu para trazê-la e mandou que se levantasse. E viveu. Ele voltara, diziam em regozijo.
Do outro lado da praça, o Grande Inquisidor, chefe de todos os queimadores de hereges, viu aquilo que mandou que encarcerassem a Ele. Preso na solitária, em uma masmorra fétida e quente, eis que, noite escura, Ele recebeu a visita do Grande Inquisidor. Este questionou Cristo para saber por que voltara. O diálogo tornou-se tenso e cheio de revolta: “És Tu, és Tu?”. Não recebendo resposta, acrescentou rapidamente: “Não diz nada, cala-te. Aliás, que mais poderias dizer? Sei demais. Não tens o direito de acrescentar uma palavra mais ao que já disseste outrora. Por que vieste estorvar-nos?”. “Mas sabes o que vai acontecer amanhã? Amanhã mesmo eu te julgo e te queimo na fogueira como o mais perverso dos hereges e aquele mesmo povo que hoje te beijou os pés, amanhã, ao meu primeiro sinal, se precipitará para trazer carvão para a tua fogueira”.
O Grande Inquisidor diz a seu ilustre prisioneiro que resistir às tentações do Mal em seu período no deserto foi sua ruína. Ao fazê-lo, Cristo também passou a exigir demais do homem, incapaz de resistir às tentações da mesma maneira. Segundo o Grande Inquisidor, o homem é fraco, incapaz de oferecer qualquer resistência quando é tentado.
O Grande Inquisidor acusou Cristo de haver fracassado na tentação do deserto. Ele só recusara a proposta do Diabo de transformar pedras em pão para não privar a humanidade de experimentar verdadeira liberdade. Caso ele operasse o milagre, os homens teriam obrigação de se tornarem seus discípulos, pois a sobrevivência humana dependeria de futuras intervenções divinas. Jesus achava que estaria comprando a lealdade de seus seguidores a preço de pão. E a acusação do Inquisidor concentrou-se em mostrar a inutilidade dessa opção do Senhor, pois as pessoas não querem viver livres. Jesus também errara ao abdicar à prerrogativa de pedir que Deus o livrasse fazendo-o aterrissar suavemente caso se jogasse do pináculo do templo.
Enfim, o Inquisidor ainda declara que Cristo cometera um monumental deslize ao recusar a oferta do Diabo de conquistar os reinos do mundo. Bastava que ele o adorasse por um instante e não haveria mais guerras, fomes ou injustiças no planeta. Os reinos pertenceriam a Ele e a ordem estaria segura.
O Grande Inquisidor diz que tudo foi culpa de Jesus. Como livrar o homem se este não quer ser livre? Não há preocupação mais constante e torturante para o homem do que, estando livre, encontrar depressa a quem sujeitar-se…!
Como disse, o texto é absolutamente impactante. Emocionante. Jesus, preso, nada fala. Apenas olha nos olhos do Grande Inquisidor. “Repito que amanhã verás esse rebanho obediente, que ao primeiro sinal que eu fizer passará a arrancar carvão quente para a tua fogueira, na qual vou te queimar porque voltaste para nos atrapalhar”!
O velho Inquisidor queria que Ele lhe dissesse algo. Mas, de repente, Ele se aproxima do velho em silêncio e calmamente lhe beija a exangue boca de noventa anos. Eis toda a resposta. O Grande Inquisidor estremece na comissura de seus lábios; ele vai à porta, abre-a e diz a Jesus: “Vai e não voltes mais…Não voltes em hipótese alguma…nunca, nunca”! E o deixa sair para as ruas largas e escuras da urbe. O beijo ardeu no coração do Grande Inquisidor, mas se manteve na mesma ideia…!
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.