Quarta-feira, 02 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 24 de outubro de 2024
A cúpula do Brics terminou nessa quinta-feira (24) após três dias de reuniões que, para muitos analistas, confirmaram a predominância da agenda de Rússia e China no bloco e seu viés antiocidental.
Segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil, o cenário que se apresenta é de grande desafio para o Brasil, que agora precisará avaliar os custos e benefícios de fazer parte de um grupo que se expande a partir dos interesses de Pequim e Moscou.
Para Laura Trajber Waisbich, pesquisadora da Universidade de Oxford, o contexto de cada vez mais tensão entre, de um lado, Rússia e China, e de outro, Estados Unidos, Europa e seus aliados, impute ponderações mais complexas para a diplomacia brasileira.
“Os custos e benefícios estão mudando a cada dia”, diz a analista de assuntos internacionais. “Se o Brics virar uma plataforma que é puramente reflexo dos interesses russos ou chineses, o Brasil perde.”
“O custo é o acirramento de um estranhamento com o Ocidente”, completa.
Marco Vieira, professor do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade de Birmingham, acredita que o governo brasileiro não pode se afastar dos seus aliados do bloco neste momento, já que o Brics ainda é uma plataforma importante.
“Mas também não pode mostrar que está se alinhando muito”, diz. “É um grande desafio.”
O palco do encontro dos Brics foi a cidade russa de Kazan e o anfitrião da cúpula foi Vladimir Putin.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou da reunião apenas de forma virtual, após sofrer um acidente doméstico nas vésperas. A delegação brasileira foi então chefiada em Kazan pelo chanceler Mauro Vieira.
Além dos nove membros oficiais Putin convidou mais de 20 outros países interessados em se juntar ao Brics para a reunião.
O bloco que até o final do ano passado era composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul passou a integrar também Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia em 2024.
Na cúpula de Kazan, os chefes de Estado discutiram e aprovaram a criação de uma nova categoria de parceiros do grupo. Eles não serão integrantes plenos, mas poderão desfrutar de muitos dos benefícios fornecidos pelos Brics.
A lista oficial de associados não foi divulgada oficialmente, mas 13 nomes circulam nos bastidores da cúpula: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.
Ao todo, porém, a Rússia afirmou que mais de 30 países manifestaram interesse de fazer parte do novo esquema antes da cúpula.
Por tudo isso, o encontro foi visto como uma oportunidade para Vladimir Putin posar para fotos ao lado de seus contrapartes, impulsionar a ideia de que não está isolado e reforçar sua posição na geopolítica mundial.
A presidência da Rússia no sistema rotativo no bloco e a própria dinâmica da política internacional atual contribuíram para a ampliar a imagem “anti-Ocidente” dos Brics, dizem os especialistas.
O comportamento da China, que se tornou muito mais assertivo nos últimos anos, também contribuiu para esse direcionamento, afirma Vinícius Vieira, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e da Fundação Getulio Vargas (FGV). [Apesar do sobrenome em comum, não há uma relação de parentesco entre os dois entrevistados e o ministro das Relações Exteriores do Brasil.]
“Mas o fato de Lula não ter ido presencialmente contribuiu para que ele não tivesse uma foto ao lado do Putin, o que no atual contexto seria ainda pior para a imagem dele e do Brasil junto ao Ocidente”, avalia Vinícius Vieira. “É como diz aquele ditado popular: ‘há males que vêm para o bem'”.
Dois países interessados em fazer parte da nova categoria de parceiros dos Brics e que ficaram de fora da lista final são Venezuela e Nicarágua.
O governo do presidente Lula não apoiava o ingresso de nenhuma das duas nações e, segundo interlocutores presentes na reunião, um veto informal fez com que a vontade do Brasil prevalecesse.
O presidente brasileiro tem feito críticas a Nicolás Maduro e à sua recusa em divulgar as atas das eleições de julho, das quais diz ter saído vitorioso. No caso da Nicarágua, o desconforto brasileiro é motivado pelo recente congelamento das relações com o país.
Ex-aliado de Lula, o líder nicaraguense Daniel Ortega expulsou o embaixador brasileiro de Manágua em agosto. Em resposta, o Brasil fez o mesmo com a embaixadora do país sul-americano em Brasília.
Se o bloqueio à entrada venezuelana no bloco foi considerado uma vitória, a expansão dos Brics, com a adoção da nova categoria de parceiros, é vista por analistas como um empecilho para as ambições do Brasil no grupo.
“Sempre foi muito claro que esse projeto de expansão não é brasileiro”, diz Laura Trajber Waisbich. “A ideia de aceitar mais membros, que levou aos atuais 9, veio da China e do próprio projeto de poder chinês.”
A mais recente ampliação, com os países parceiros, também atende mais aos interesses de Pequim e Moscou do que dos demais, diz a pesquisadora da Universidade de Oxford.
“A lógica sempre foi fazer parte de um clube exclusivo com países reconhecidos como geopoliticamente importante e com poder de contestação”, diz.
Para Waisbich, o governo Lula tem deixado bastante claro em suas declarações que aceitar novos associados a cada novo ano está totalmente fora de sua agenda. Mas até o momento o país não parece ter tido energia suficiente para barrar esse movimento.
Em uma entrevista à CNN Brasil, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que a entrada de novos países tem que ser muito bem estudada.
“Não adianta encher de países, senão daqui a pouco cria um novo G-77”, disse Amorim, enfatizando que é preciso que os Brics sejam ampliados com países com perfis que possam contribuir dentro de um contexto de um mundo “polarizado e multipolar”. As informações são da BBC News.