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Edson Bündchen A última mentira

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Nas crianças, a mentira constituiu-se, ao longo do tempo, em meio para escapar das punições ou obter alguma recompensa; nos adultos, assumiu a função de tornar as interações sociais mais fáceis e evitar as desavenças. Todavia, há mentiras e mentiras. Heródoto, já no século V a.C., escrevia relatos pouco criveis, imprecisos e até plagiários; Galileu Galilei mentiu para escapar de uma condenação por heresia, e o Apóstolo Pedro, possivelmente na mentira mais clássica da história, negou Cristo por três vezes. A mentira, infelizmente, não ficou no passado. De acordo com o The Factor Checker, do jornal The Washington Post, o presidente americano Donald Trump falou ou escreveu, em média, 23 mentiras por dia, levando pouco mais de 1.200 dias para atingir a incrível marca de 20.000 declarações falsas ou enganosas. Por si só, esse seria um fato extraordinário, mas considerando que o autor das inverdades estava sentado na cadeira mais poderosa do mundo, esse comportamento adquire contornos perigosos e inquietantes.

Ao perder a eleição para o democrata Joe Biden, Trump lançou a sua cartada mais ousada e irresponsável, colocando em dúvida o processo eleitoral do seu País, num ataque frontal ao coração do estado democrático de direito americano, alegando terem sido as eleições fraudadas sem apresentar uma única prova sequer. Com essa atitude insensata, mas coerente com a sua forma de governar, arriscou-se a dividir o seu próprio País, já extremamente polarizado, em favor de um projeto pessoal egocêntrico.

O avanço civilizacional é lento e irregular, sujeito a toda a espécie de dificuldades e imprevistos. A construção da estrutura de poder dos modernos governos não foi uma obra isolada, mas um esforço histórico que compreendeu a necessidade de organizar a sociedade de forma que a coexistência entre as pessoas fosse possível. A figura do Contrato Social, edificada por nomes como Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, finalmente teve, na tripartição dos poderes de Montesquieu, a garantia de certo equilíbrio contra pendores autoritários. Contudo, mesmo dispondo de instituições criadas para proteger os cidadãos do arbítrio, não há ainda barreiras contra o aparecimento de arrivistas inoportunos.

Nesse cenário, o surgimento e o fortalecimento das instituições democráticas foram decisivos para o mundo moderno. Criações abstratas em essência, essas arquiteturas engenhosas evitaram o esgarçamento das modernas sociedades, sendo responsáveis pela coesão social, porém num processo de permanente tensão. A democracia vive momentos difíceis, e as eleições americanas refletem essa ansiedade quando um personagem central assume posições em flagrante contraste com a verdade dos fatos, colocando em xeque uma democracia com mais de 200 anos de história. Em nome da volta para um suposto passado glorioso, Trump abraçou políticas protecionistas e agressivas, colocou o American First à frente do multilateralismo, construiu muros e ignorou pautas atreladas aos direitos civis, particularmente os vinculados às minorias. Além disso, rompeu com o Acordo de Paris, enfraquecendo a questão ambiental, e atacou a OMS, no momento em que fracassava na condução da Covid-19.

Em questões centrais para o planeta, a agenda global demanda hoje uma visão mais colaborativa, muito longe da visão individualista que Trump defende. Clima, segurança e inteligência artificial, por exemplo, são temas que não podem ser tratados isoladamente. Governos nacionalistas e pouco cooperativos são uma ameaça à construção de soluções efetivas. Nesse contexto, a eleição de Joe Biden e Kamala Harris pode sinalizar um alento para o mundo, especialmente por sua maior capacidade em compreender que não há caminho fora das instituições, e que o negacionismo, o ódio, o extremismo e a desinformação são venenos contra qualquer democracia.

 

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https://www.osul.com.br/a-ultima-mentira/ A última mentira 2020-11-12
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