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Por Redação O Sul | 30 de setembro de 2019
Internacionalmente conhecida por integrar um dos principais corredores de tráfico de drogas na América do Sul, a cidade paraguaia Pedro Juan Caballero vem passando por uma importante transformação nos últimos dois anos. Não que a atividade criminosa tenha cessado no local. Longe disso. A diferença é que se somaram ao cotidiano local, marcado por seguranças armados em cada esquina e crimes bárbaros associados ao crime organizado, milhares de estudantes brasileiros vindos de diferentes regiões do Brasil em busca de um sonho: o diploma de Medicina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Basta andar algumas horas pela cidade, que faz fronteira com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e pelos corredores das faculdades para notar que esse movimento migratório é expressivo. Na maioria das instituições de ensino, só se ouve o português. As turmas são formadas quase que totalmente por brasileiros. No entorno das universidades, é comum ver a oferta de quitutes típicos da nossa culinária, como coxinha e pastel, com preços fixados em reais, embora a moeda oficial paraguaia seja o guarani. Crescem ainda a construção de edifícios para abrigar repúblicas de estudantes que migraram em busca da formação médica.
Habitada por aproximadamente 116 mil pessoas, Pedro Juan Caballero tem nove faculdades de Medicina, nas quais estudam pelo menos 12 mil brasileiros. O número é superior, por exemplo, ao de vagas ofertadas por ano por todas as universidades públicas do Brasil (10,6 mil).
A migração em massa em busca do sonho do diploma médico não é exclusiva de Pedro Juan nem do Paraguai. Universidades da Argentina e da Bolívia também vêm recebendo nos últimos anos um contingente de estudantes de fora. Números inéditos do Ministério das Relações Exteriores (MRE) obtidos pelo Estado mostram que as faculdades de Medicina desses três países sul-americanos já reúnem cerca de 65 mil brasileiros. O número equivale a mais de um terço do total de alunos de Medicina de todo o Brasil. Contando universidades públicas e privadas nacionais, são 167 mil estudantes no curso, segundo o último Censo da Educação Superior, com dados de 2018.
A situação chamou a atenção do Ministério da Educação (MEC), que, no ano passado, solicitou aos consulados localizados nesses três países informações sobre a situação dos alunos. O Itamaraty preparou um relatório para o MEC com as respostas das representações consulares. No documento, ao qual o Estado teve acesso, os cônsules detalham uma série de dificuldades vividas pelos brasileiros e relatam falhas no sistema de ensino de algumas dessas escolas médicas.
Alguns dos cursos começam a funcionar sem sequer ter a habilitação do governo local. Outros até têm credenciamento, mas sofrem com estrutura precária, como falta de laboratórios e bibliotecas adequadas.
Dificuldades econômicas e com o idioma espanhol, cobranças irregulares por parte das universidades e até denúncias de abuso sexual de professores também são mencionados no relatório. “O meu relatório não foi muito positivo porque não posso esconder do governo brasileiro o que os alunos enfrentam todos os dias aqui. Os alunos sofrem muito com as cobranças. Aqui tudo é pago. O aluno pede uma revisão de prova, tem que pagar. E a maioria tem que se virar para pagar essa cota mínima. Muitos deles vivem mal, têm que vender bombom na rua para seguir adiante no curso. Abrir faculdade de medicina na fronteira virou galinha dos ovos de ouro”, relatou ao Estado o cônsul do Brasil em Pedro Juan Caballero, Vitor Hugo de Souza Irigaray.
É justamente a limitação econômica que tem levado tantos estudantes a optarem por estudar Medicina fora do País. Atraídos por mensalidades que variam de R$ 700 a R$ 2 mil e pela facilidade de ingresso no curso (quase nenhuma das instituições realiza vestibular), os brasileiros veem na graduação no exterior a única forma de seguir a carreira médica e, assim, ter a chance de um futuro mais próspero ao regressarem ao Brasil, onde o valor mensal cobrado pelas faculdades de Medicina fica entre R$ 6 mil e R$ 10 mil.
Para além dos preços e facilidades no ingresso, o que provocou o boom de estudantes nos últimos anos foi, segundo alunos e diretores de faculdades, a possibilidade de trabalho no Brasil pelo programa Mais Médicos sem a necessidade de revalidação do diploma somada ao aumento exponencial do número de vagas de Medicina nesses países.
“É um reflexo de políticas públicas como o Mais Médicos, que começou a criar um sonho de que esses estudantes conseguiriam voltar ao Brasil e trabalhar sem revalidar o diploma. Por conta dessa demanda gigantesca, muitas faculdades ruins começaram a ser abertas nesses países”, diz Diogo Leite Sampaio, vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).