Terça-feira, 22 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 29 de outubro de 2017
“A imprensa quer, o povo quer e o Legislativo pede que o Supremo decida tudo. Mas isso
é perigoso. Qualquer juiz que vota pensando em popularidade é um perigo.” A avaliação é do ministro Alexandre de Moraes, do STF, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo
Folha – Muito se fala hoje sobre a proeminência do Judiciário. Há uma hipertrofia?
Alexandre de Moraes – No momento, sim. Da Justiça, das carreiras jurídicas. O grande responsável pela redemocratização foi o Legislativo. Depois, houve um desgaste grande. Há alguns anos, o Executivo entrou em crise. Não há vácuo de poder. O STF passou a ter atuação mais positiva.
F – E isso é bom?
AM – Não. Bom é o equilíbrio entre os Poderes. Com a eleição em 2018 e a posse em 2019, tende a voltar ao equilíbrio. Até lá, haverá superexposição do Judiciário. E não é só culpa nossa. Tudo o Legislativo traz para cá. Se o Congresso delega ao Judiciário questões políticas, o Judiciário vai discutir. E pior do que a judicialização da política é a politização da Justiça. A reforma mais importante para o país é a política.
F – A deste ano foi cosmética?
AM – Foi a possível. Há dois pontos importantes. Acabar em 2020 com a coligação proporcional e a recriação da cláusula de desempenho, mesmo fraquinha, de 1,5%, que vai crescer para 3%. Mas precisamos de algo mais radical, fortalecer os partidos.
F – O Congresso já havia aprovado a cláusula de desempenho, mas o STF derrubou.
AM – Foi um dos grandes erros do Supremo. Era uma matéria eminentemente política. E depois errou uma segunda vez, quando permitiu que quem mudasse de partido levasse consigo tempo de TV e fundo partidário. Cláusula de desempenho, financiamento… Onde está dito que é matéria constitucional? Quem dá a última palavra tem que ter autocontenção.
F – Falta isso ao STF?
AM – Não. Na situação atual há autocontenção razoável. Veja: a imprensa quer, o povo quer e o Legislativo pede que o Supremo decida tudo. Mas isso é perigoso. Qualquer juiz que vota pensando em popularidade é um perigo. Muitas vezes as decisões são antipáticas. E essa é a função do STF. Por isso é o único Poder não eleito e vitalício. Não tem que fazer populismo.
F – A prisão em segunda instância deve voltar a ser debatida pelo STF. É um teste à tese sobre o ativismo judicial?
AM – Não… Não se pode concordar que o Supremo exerça funções do Legislativo ou do Executivo só quando você gosta. De 10, 15 anos para cá, o STF analisou casos importantes de direitos fundamentais. Foram grandes conquistas: união estável homoafetiva, células tronco… Agora, quem concorda que o STF pode se exceder não pode reclamar. Hoje pode haver uma composição que decida algo que as pessoas julguem bonito. Amanhã, não. Com a decisão sobre a aplicação de medidas cautelares a parlamentares à luz do caso Aécio Neves, vários analistas disseram que o STF ficou de cócoras. Quem disse isso não entende nada de Constituição, de separação de Poderes. Quem deu a última palavra foi o Supremo. A Constituição diz que só se pode tirar um parlamentar do Congresso se ele for preso em flagrante, por crime inafiançável. Mesmo assim, quem decide é a Casa. Não adianta chamar de medida cautelar uma ação que vai corresponder à prisão preventiva. Se os nossos parlamentares estão abusando, é outra questão.
F – O Supremo alargou o entendimento sobre o flagrante?
AM – Totalmente. [Agora] A corte foi até o ponto adequado. A decisão volta ao Legislativo se interferir direta ou reflexamente no exercício do mandato. Não criamos a imunidade. Ela está na Constituição, na dos EUA, na da Inglaterra. Mas no Brasil virou: ‘ignore-se a Constituição. Vamos fazer o que achamos certo hoje’. Amanhã ganha um populista que fala: ‘Para que serve o Legislativo? Nada? Fecha’. Para que serve o Judiciário? E faz igual ao pacote do [Ernesto] Geisel, de 1977.
F – A delação da JBS teve algum aspecto educativo?
AM – Foi a primeira em que o Supremo teve a oportunidade de deixar claro que uma coisa é delação e outra são as provas derivadas dela. E que as duas coisas podem ser analisadas pelo órgão julgador ao final, não só pelo relator. Decidiu-se assim antes do escândalo. A delação é importante. Defendi sua ampliação. Mas é meio de obtenção de prova.
F – Quando ela deve deixar de ser sigilosa?
AM – Ao meu ver, no recebimento da denúncia, como determina a lei. Por quê? Delator é bandido, criminoso que foi pego e não quer sofrer os rigores da lei. Se o delator mente e o Ministério Público pede o arquivamento? Você acabou com a vida do delatado.
F – A gestão de Rodrigo Janot exagerou nas delações?
AM – Não. É questão de aprendizado. Há três questões importantes a serem discutidas: se o sigilo deve ser [retirado] só no recebimento; a rescisão da delação da JBS; e se tanto polícia quanto Ministério Público podem fazer. Com isso fecha o arcabouço.