Sábado, 10 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 18 de junho de 2019
Rosto sério, cenho franzido, uma bagagem de mais de cem gols pela seleção, seis títulos de melhor do mundo e um par de chuteiras pretas – sem qualquer marca de patrocinador. Foi assim que Marta se apresentou em campo na Copa do Mundo até agora, para jogar luz sobre um problema não apenas brasileiro, mas global: a disparidade de salários e investimentos entre futebol feminino e masculino. Afinal, segundo muitos estudiosos do tema, é somente a discriminação de gênero entranhada em toda a cadeia esportiva que explica por que a melhor jogadora de futebol de todos os tempos ganha € 340 mil por temporada, enquanto Neymar, por exemplo, recebe € 91,5 milhões (R$ 396 milhões). Com isso, ela ganha apenas 0,3% do rendimento anual do jogador, bem menos de 1%. As informações são do jornal O Globo.
Na chuteira de Marta, o que se vê, no lugar da logomarca de um patrocinador, é o símbolo do movimento “Go equal”, que luta por equidade de gênero. A atleta está sem patrocínio desde julho do ano passado, quando seu contrato com a Puma acabou. Marta se recusou a renová-lo pelo valor oferecido – não foi divulgado quanto.
A discrepância entre o que jogadoras e jogadores recebem ficou evidente em um levantamento feito este ano pela revista “France Football”, uma das mais renomadas da área, sobre os maiores salários do futebol mundial. A lista mostrou que a soma dos cinco salários mais altos do futebol feminino totaliza € 1,79 milhões – o equivalente a cerca de R$ 7,7 milhões. Isso não é sequer um décimo do salário do quinto jogador mais bem pago, Gareth Bale, que leva para casa € 40,2 milhões – algo em torno de R$ 175 milhões.
No ranking, a atacante norueguesa Ada Hegerberg, eleita a melhor do mundo em 2018, recebe € 400 mil por temporada – 325 vezes menos do que Messi. Convertendo o valor para um salário mensal, a jogadora do Lyon recebe € 33 mil (cerca de R$ 150 mil), já o argentino ganha € 10,8 milhões por mês (cerca de R$ 47 milhões). Em protesto, Ada Hegerberg se recusou a participar desta Copa do Mundo.
A disparidade é ainda mais surpreendente quando se compara a média de salários dos jogadores de clubes da Série A do Campeonato Brasileiro com o salário da norueguesa. Os atletas que disputaram o Brasileirão em 2018 recebem em média, segundo levantamento do site Sporting Intelligence, € 576 mil por temporada – em torno de R$ 2,5 milhões.
O principal argumento usado para “justificar” esse cenário é o fato de que o futebol feminino, enquanto produto, é bem menos rentável do que o masculino, logo gera menos dinheiro para se investir nas atletas. No entanto, quem estuda o assunto recomenda inverter essa relação de causa e efeito.
“As jogadoras ganham menos porque, por acaso, participam de um mercado que gera remuneração menor ou é o mercado que paga menos porque se trata de mulheres?”, diz Vívian Almeida, professora de Economia do Ibmec RJ, que pesquisa gênero e mercado de trabalho. “A primeira opção, da lei de mercado, é a argumentação mais comum (para defender salários menores para elas). Mas essa é uma visão muito míope.”
A professora ressalta que, não apenas no esporte, mas em várias searas da vida, não basta a mulher alcançar os mesmos resultados do homem para conseguir pedir direitos iguais. É preciso superar as marcas masculinas para ser capaz de chamar atenção para disparidades.
“A Marta precisa ser a Marta para chamar atenção”, resume ela. “Eu brinco que é o ‘fardo Mulan’ (a personagem da Disney): você tem que salvar a China, fazer algo descomunal, para poder começar a brigar por igualdade. Infelizmente.”
Há exatamente 40 anos, o Brasil nem sequer poderia ter uma Marta. Somente em 1979, foi derrubada a lei que proibia as mulheres de jogar futebol no Brasil. Essa perspectiva histórica, destaca Vívian, é fundamental para entender o preconceito contra futebol feminino e a falta de valorização e de estrutura.
“A gente não está acostumado a entender a mulher como potencial jogadora de futebol. As jogadoras, hoje, ainda estão construindo um caminho. Não estão seguindo um já traçado antes delas, como é a realidade dos homens.”
Fabio Kadow, diretor de marketing da Puma, última patrocinadora de Marta, disse que a parceria com a jogadora brasileira chegou ao fim, em julho de 2018, no momento em que “não conseguiram avançar nas negociações”. “Tivemos uma parceria por muitos anos com a Marta, quando pouco se falava de futebol feminino. Estivemos juntos durante grandes momentos da carreira dela, fato que é de muito orgulho para a Puma”, complementou Kadow, sem mencionar qual foi a quantia oferecida à jogadora.